Pelas Vias do Pensamento
Pai João
A noite estava fria, nevoenta, impedindo a visão encantadora do cortejo das estralas que, escondidas atrás das espessas nuvens, por certo enfeitavam o firmamento.
Recolhido em seus íntimos aposentos, deixando-se levar pelas asas do pensamento, um velho homem passou a recordar-se do seu passado quando, pleno de vitalidade, exercitava-se pelas estradas perfumadas da caridade, servindo, sem esmorecer, os seres humanos que o Pai da infinita bondade colocava em seu caminho.
Porém, o tempo, implacável, houvera passado e com ele aqueles inesquecíveis e prazerosos momentos, deixando um rastro de profunda saudade em seu coração.
Seu corpo cansado, reflexo dos anos vividos, não era mais o mesmo, delatando a velhice impiedosa que viera em seu encalço, fazendo-lhe definitiva companhia.
Seus olhos perderam o brilho e a vivacidade, impossibilitando-o de visualizar, como outrora, as incontáveis belezas com que o mundo o presenteava.
Seus ouvidos, pouco a pouco, foram sendo deserdados pelos tesouros da audição, impedindo-o de distinguir as inumeráveis melodias da vida, fazendo-o necessitar da paciência alheia para poder entretecer a mais despretensiosa conversação.
Sua voz, mais parecendo um sussurro, perdera a flama, carecendo de boa vontade outros ouvidos para se fazer entender.
Seus braços e suas mãos, gradativamente, foram sendo privados do vigor de antanho, fazendo-o depender de ajuda alheia para serem atendidas as suas mais intimas necessidades.
Suas pernas, incontestavelmente enfraquecidas, passaram a não atender aos apelos de sua mente, impossibilitando a sua locomoção, impedindo-o de ir ao encontro dos corações carentes, aliviando-lhes as agruras.
Por fim, as fracas batidas do seu velho coração eram sinais evidentes do esvaimento das suas forças e da fragilidade da sua vestimenta carnal.
Enredado por estas inescapáveis constatações, momentânea e incomoda tristeza o viera visitar, fazendo-o sentir-se um inútil, sem mais expectativas, sem futuro, descartado pela vida, impedido de servir o Cristo Jesus como até então, amorosamente, o fizera.
Naquele exato instante, enquanto lagrimas sentidas se fizeram presentes, começou a orar quando, como por encanto, sentiu-se envolvido por inenarrável paz que, de imediato, resgatara-lhe a alegria de outrora, aportando-lhe novas esperanças.
Assim, emocionado, inspirado pelo amigo espiritual que incansavelmente acompanhava os seus passos pelas veredas da vida, dissera, de forma que seus próprios ouvidos pudessem escutar: “se não mais consigo exercitar-me pelos caminhos da caridade através de meus olhos, dos meus ouvidos, da minha palavra, dos meus braços… Não me deixarei abater, pois haverei de praticá-la até o final dos meus dias, servindo fielmente a Jesus, pelas vias do meu pensamento, sempre envolvido pelo amor despretensioso que incessantemente, viceja em minha alma”.
Por esta razão, a você, leitor amigo, que com os olhos atentos percorre estas poucas linhas, peço-lhe o fraternal consentimento para lembra-lo de que o nosso pensar, cobrindo as distâncias, mais rapidamente do que a luz, inexoravelmente, chegara ao seu destino, levando consigo o bem ou mal que o caracteriza, comprovando a verdade desta divinal mensagem: “Onde estiver o nosso pensamento, lá estará, também, o nosso coração!”.